São dois os tipos de “dons de línguas” citados na Bíblia? Uma brevíssima análise.

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LABACHURIAS

Bom, antes de iniciar, penso que devemos partir do princípio de que a Bíblia não entra em contradição e que só ela mesma pode se explicar; nesse sentido, um texto obscurecido ao nosso entendimento deve ser esclarecido por outros textos, levando em conta, inclusive, seu contexto teológico e cultural, para que a interpretação bíblica não venha a ser objeto de superespiritualização ou de racionalismo estéril. Como afirma a Confissão de Fé de Westminster, no capítulo I, parágrafo IX,

A regra infalível de interpretação da Escritura é a mesma Escritura; portanto, quando houver questão sobre o verdadeiro e pleno sentido de qualquer texto da Escritura (sentido que não é múltiplo, mas único), esse texto pode ser estudado e compreendido por outros textos que falem mais claramente. (At. 15: 15; João 5:46; II Ped. 1:20-21. )

Antes de começar a responder, se existem duas línguas ou não, devemos entender a relação entre o texto de Atos e o desenvolvimento da Igreja, com foco especial em Corinto, que é o objeto dessa nossa “especulação”.

Penso que devemos entender o contexto da igreja primitiva de maneira específica, num contexto diferenbte do que nós vivemos hoje em dia, mesmo sendo parte desta igreja católica (universal), que é a igreja de Jesus Cristo espalhada pelos quatro cantos do mundo. Naquela época, a igreja estava reunida em Jerusalém, pelo fato de terem recebido ordens expressas do Senhor, em processo de expansão; nesse sentido, somente depois daquele evento referido no dia de pentecostes eles poderiam sair de suas fronteiras geográficas e anunciar o evangelho de Jesus aos que estavam fora dos limites de Israel, consequentemente, aos que não faziam parte da aliança de Deus com o povo do território de Israel (At. 1:8).

Somente a partir do cumprimento da profecia dada por Jesus, a igreja foi capacitada a testemunhar o evangelho, que literalmente, seria espalhado para além das fronteiras da Judeia e Samaria.

Uma das maneiras com que essa virtude do Espírito Santo seria derramada sobre estes cristãos seria justamente no que se refere a essa proclamação verbal do evangelho de Cristo aos gentios, e para que isso ocorresse, para que esta mensagem pudesse ser anunciada de maneira efetiva, era necessário que esses mensageiros (muitos sem instrução formal, acredito) estivessem capacitados a comunicar o evangelho em outras línguas. Foi isso que ocorreu entre os 120 que estavam reunidos, como descrito em Atos 2. Conseguintemente a este evento, os estrangeiros que estavam nas imediações puderam ouvir sobre as maravilhas de Deus em seu próprio idioma, como podemos observar mais a frente:

6 E, quando aquele som ocorreu, ajuntou-se uma multidão, e estava confusa, porque cada um os ouvia falar na sua própria língua. 7 E todos pasmavam e se maravilhavam, dizendo uns aos outros: Pois quê! não são galileus todos esses homens que estão falando? 8 Como, pois, os ouvimos, cada um, na nossa própria língua em que somos nascidos? 9 Partos e medos, elamitas e os que habitam na Mesopotâmia, Judéia, Capadócia, Ponto e Asia, 10 E Frígia e Panfília, Egito e partes da Líbia, junto a Cirene, e forasteiros romanos, tanto judeus como prosélitos, 11 Cretenses e árabes, todos nós temos ouvido em nossas próprias línguas falar das grandezas de Deus”. Atos 2:6-11

O relato do dia de pentecostes, faz referência não a um sinal de batismo geral, mas à função específica do dom de línguas naquele momento:

Os visitantes vindos de terras distantes no dia de Pentecoste ouviram os cento e vinte membros da igreja de Jerusalém falando em suas ‘próprias línguas as grandezas de Deus’. Sem entender o que falavam, o significado de suas palavras incompreensíveis visava a exaltação do Senhor e o louvor a Deus”. (SHEDD, 2013).

Outro fato importante que deve ser levado em conta na interpretação do dom de línguas é o fato de o texto original descrever estes idiomas como idiomas comuns/humanos, ou literalmente “idia dialektô ” ou próprio dialeto. Nessa perspectiva, seria incrivelmente ignóbil utilizar este texto para justificar as línguas como “línguas estranhas” ou “dos anjos”, já que tanto as traduções, quanto texto em língua original não deixa margem de dúvida para essa suposição.

Ao introduzir a sua fala, Paulo faz menção ao dom de línguas como algo aparentemente corrente no meio da igreja de Corinto, e esta era uma igreja que podia se orgulhar por ter todos os carismas espirituais em si:

Sempre dou graças ao meu Deus por vós pela graça de Deus que vos foi dada em Jesus Cristo. Porque em tudo fostes enriquecidos nele, em toda a palavra e em todo o conhecimento (Como o testemunho de Cristo foi mesmo confirmado entre vós). De maneira que nenhum dom vos falta, esperando a manifestação de nosso Senhor Jesus Cristo, O qual vos confirmará também até ao fim, para serdes irrepreensíveis no dia de nosso Senhor Jesus Cristo. (1 Coríntios 1:4-8)

como argumenta o Rev. Augustus Nicodemus Lopes, em um breve comentário sobre os problemas da Igreja de Corinto:

A igreja de Corinto era uma igreja que havia sido muito abençoada por Deus em diversos aspectos. Quando Paulo inicia esta carta ele reconhece, no capítulo primeiro, que Deus havia abençoado a igreja com toda sorte de bênçãos espirituais, de dons espirituais, ao ponto de “não lhes faltar dom nenhum”. Corinto era uma igreja carismática no sentido bíblico da palavra, ou seja, tinha os “carismas” do Espírito de Deus, os dons, através dos quais desenvolvia seu serviço prestando culto a Deus e cumprindo a sua missão neste mundo. de maneira que, ao que podemos presumir havia, como hoje entre os da tradição pentecostal, uma supervalorização do dom de línguas. (LOPES, 2001, p.1)

Nesse sentido, podemos entender que quando o apóstolo menciona o dom de línguas na sua carta, ele o faz se referindo sim, ao dom dado àquelas pessoas inaugurado durante a festa de pentecostes, para anunciar as boas novas aos estrangeiros no meio dos crentes em Cristo que estavam reunidos em Jerusalém.

No que podemos perceber também, a referência incorreta ao dom de línguas pode ter se originado numa má interpretação do que ocorreu em Jerusalém, na descida do Espirito Santo sobre a igreja no dia de pentecostes, bem como uma série de outros problemas de ordem também doutrinária e moral1. Como já fazia algum tempo do ocorrido e a igreja de Corinto era populada por gentios, é extremamente plausível que juntamente a outras doutrinas e práticas, aquela igreja local estivesse praticando esse dom de maneira errada, por desconhecimento ou por má-fé. No mais, para apaziguar os ânimos daquela igreja dividida, Paulo apela iniciando a carta chamando-os de irmãos.

Mas, antes de prosseguir, penso que poderíamos fazer uma curta análise do texto. Vejamos:

2 Porque o que fala em língua desconhecida não fala aos homens, senão a Deus; porque ninguém o entende, e em espírito fala mistérios. 3 Mas o que profetiza fala aos homens, para edificação, exortação e consolação. 4 O que fala em língua desconhecida edifica-se a si mesmo, mas o que profetiza edifica a igreja. 5 E eu quero que todos vós faleis em línguas, mas muito mais que profetizeis; porque o que profetiza é maior do que o que fala em línguas, a não ser que também interprete para que a igreja receba edificação. 6 E agora, irmãos, se eu for ter convosco falando em línguas, que vos aproveitaria, se não vos falasse ou por meio da revelação, ou da ciência, ou da profecia, ou da doutrina?1 Coríntios 14:2-6.

Como todo o dom que pode ser usado de maneira incorreta (v.4), Paulo aproveita a carta para orientar a igreja tanto com relação ao bom uso desse dom, que é precioso para o crescimento da igreja, quanto para enfatizar dons relativos à instrução da igreja, como o da profecia, próprios aos pastores, apóstolos e mestres, pois através dele, pessoas de outras nacionalidades poderiam para além de conhecer a mensagem do evangelho, serem doutrinadas nele. Como isso é um dom, Deus é o seu doador, que o oferta a quem Ele mesmo deseja, suscitando nos seus servos o desejo por esse dom.

Quando ele menciona “o que fala em língua desconhecida não fala aos homens, senão a Deus; porque ninguém o entende, e em espírito fala mistérios”, ele possivelmente faz menção aos que falavam naquela igreja estes outros idiomas, hoje em dia mais comuns e, com toda a certeza, ele vê essa prática como somente proveitosa ao indivíduo porque só pode haver comunicação entre ele e Deus.

A preocupação de Paulo com o exercício do dom pode ser observada no fato de que o mau uso dele em público faria com que somente a igreja caísse em estupefação, sem que houvesse algo mais profundo nisso; sem que alguma mensagem de Deus pudesse ser entendida. Nesse sentido, podemos pressupor que se alguém falava em público (na igreja) em um idioma estrangeiro, Deus desejava falar com aquela igreja, e que essa mensagem só poderia ser plenamente inteligível se houvesse possibilidade real de interpretação no local (da mesma maneira providenciada por Deus, pois ele também é doador da interpretação), ou então, tudo aquilo seria desnecessário ou pior, poderia ser fruto de exibicionismo.

Quanto ao trecho Em espírito fala em mistérios” não se trata de algo “misterioso” no sentido mais místico da palavras, mas daquilo que o homem pode vir a conhecer, da parte de Deus, e pode ser misterioso pelo fato de não haver uma possibilidade de conhecimento comum, por falta de alguém que interprete a todos. Por isso a insistência do apóstolo quando menciona, mais uma vez, no v. 13 que aquele que ora em línguas deve pedir também a Deus o dom da interpretação, ou então todo o dom é infrutífero a si, pois não há compreensão daquilo que se trata, e à própria igreja, onde todos esses dons devem ser exercidos de maneira a edificá-la, e isso de maneira racional.

Para adensar esse argumento, Paulo orienta que o dom da Profecia seja buscado com maior empenho. Entendemos a profecia como uma mensagem, vinda da parte de Deus, que tem fins específicos de edificação e exortação e consolação (v.3). Nesse sentido, a referência seguinte que ele faz ao dom, e se encontra no v. 6, é que essa profecia estaria cheia de um conteúdo específico para o fim citado, que seria:

  • a revelação – da mensagem do evangelho apontada no AT e cumprida em Jesus
  • da ciência – ou conhecimento de Deus
  • da profecia – mensagem de denúncia da impiedade do povo de Deus e exortação ao arrependimento,
  • da doutrina – aquilo que fornece a Igreja o pleno crescimento, leite e comida sólida.

Essencialmente, esse é um dom comunitário, ou seja, deve ser exercido no meio da igreja, (com ordem e decência [Co 14.29, 32-33], ao passo que as línguas são manifestações individuais, exclusivas à comunicação do homem à Deus, em sinal de agradecimento e como testemunho às pessoas de outros idiomas das “maravilhas de Deus”. O dom de línguas implica, segundo a orientação apostólica, dar bem as graças (v.17), “pois o que fala em outra língua, não fala a homens, senão a Deus… em espírito fala mistérios” (v.2).

É mais interessante notar que essas funções ligadas ao dom da profecia também foram descritas de maneira sucinta na carta a Timóteo (3:15), como utilidade direta das escrituras “Toda a Escritura é divinamente inspirada, e proveitosa para ensinar, para redarguir, para corrigir, para instruir em justiça; Para que o homem de Deus seja perfeito, e perfeitamente instruído para toda a boa obra2”. Ou seja, o dom de línguas é de inferior valor, se comparado ao dom da profecia, por que através dele podemos comunicar o evangelho, mas ele é somente um meio.

Por esse motivo, mais a frente Paulo escreve “se eu for ter convosco falando em línguas, que vos aproveitaria, se não vos falasse ou por meio da revelação, ou da ciência, ou da profecia, ou da doutrina?”

O fim principal das línguas então, é a exaltação do Senhor, um sinal externo para que as pessoas que conhecessem a mensagem do evangelho, viessem a se arrepender e cressem; a partir daí, temos a necessidade do doutrinamento correto, que só pode ocorrer se houver base na própria Palavra de Deus.

Voltando ao texto grego de Atos e mais diretamente respondendo a pergunta, não há como desconectar o ensino de Paulo com o ocorrido no dia de pentecostes, pois sendo a Igreja de Corinto possuidora também desse dom, e ainda se atentamos ao contexto de expansão da igreja, penso que a maneira mais correta de entender esse texto, (inclusive obedecendo ao pressuposto de interpretação exposto no inicio dessa resposta) seria compreender as línguas que o apóstolo menciona como idiomas comuns, apesar de ele não especificar no texto de I Coríntios 14.

Referências

  1. Bíblia. Novo testamento grego. Quarta Ed. Revisada. Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 2001; São Paulo: Soceidade Bíblica do Brasil, 2008.
  2. LOPES, Augustus Nicodemus. Corinto – Uma Igreja com Problemas de Disciplina: Uma Análise de 1 Coríntios 5. Disponível em: <http://portuguese.thirdmill.org/files/portuguese/84988~9_18_01_3-36-43_PM~Corinto.html&gt;. Acesso em 09 maio 2015.
  3. SHEDD, Russel. A adoração e os dons. Disponível em: <http://www.cincosolas.com.br/2013/03/a-adoracao-e-os-dons-russel-shedd.html&gt;. Acesso em 09 maio 2015.

NOTAS

1 Ainda nas palavras do Rev. Augustus, “A igreja tinha todas estas divisões e além disso tinha problemas de ordem doutrinária. Um grupo não aceitava a ressurreição dos mortos (cap. 15). Havia um espírito faccioso naquela igreja; existiam problemas com respeito à doutrina da liberdade cristã ( 10:28). “Será que posso comer carne sacrificada aos ídolos”? Os “fortes” diziam que sim e subestimavam os “fracos”. Havia problemas com respeito às questões do casamento (cap. 7): O que é mais espiritual? Casar ou ficar solteiro?
A igreja estava dividida por uma série de problemas que se refletiam no culto. Os “espirituais” falavam línguas sem interpretação para a igreja e desta forma não edificavam (14:5); os profetas falavam, mas não havia ordem de quem deveria falar primeiro (14:29, 32); as mulheres entusiasmadas estavam querendo tirar qualquer sinal de que há uma diferença entre homem e mulher dentro da ordem da criação de Deus (11:8-9); na hora da Santa Ceia havia pessoas que até se embriagavam (11:21) e participavam do sacramento sem ter o espírito apropriado. Corinto era uma igreja com graves complicações. Mas, mesmo considerando isso, era uma igreja que se gloriava de ser “espiritual”. Afinal, muitos, na concepção deles, não tinham os dons que indicavam a presença do Espírito Santo? Muitos não estavam falando em línguas durante o culto (Cap. 14)? Outros não estavam profetizando e trazendo palavra de revelação? A igreja pensava que era espiritual e considerava-se assim apesar de estar toda minada de problemas”. (LOPES, 2001, p.1).

2 2 Timóteo 3:16,17

Estar perto da palavra ou estar submisso à palavra?

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“quanto mais perto da Palavra de Deus, mais corretos seremos no que quer que façamos”. (Keneth E. Hagin)

 

Eis aí, nesta epígrafe, uma séria questão.

Se partimos do pressuposto de que a sagrada escritura é perfeitamente inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção e para a instrução na justiça[1], então a escritura não somente contém como é  a Palavra de Deus. Destarte, a fé que vem pelo ouvir da Palavra de Deus[2] nos põe não somente em um grau de proximidade, mas exige de nós submissão, sujeição à esta palavra.

Ora, com submissão pretendo dizer que, todas as nossas palavras e nossas atitudes devem estar sob a égide da escritura[3], sem esperança de barganha de bênçãos ou de um melhor lugar nos céus; mesmo porque, o verbo encarnado propõe que a amizade e intimidade com ele só pode ser construída através da obediência à Sua voz, à Sua vontade[4], e  isto necessariamente significa um não ser, um negar a si mesmo, tomar a própria cruz e segui-Lo[5].

Segui-Lo não significa necessariamente que não teremos problemas e aflições[6], que não seremos perseguidos, ridicularizados[7], depostos de cargos e posições importantes simplesmente por estarmos submissos a esta sacra vontade, esta santa palavra, mas que, contudo, seremos cada dia revestidos de poder do alto[8] para lutar pela justiça do reino, para proclamar as boas novas do ano aceitável do Senhor[9] e teremos em nós a paz que excede todo o entendimento[10], além de entendermos que todas as outras coisas serão acrescidas a nós, se com humildade e mansidão, força e completa vontade de espírito alma e corpo, desejarmos mais do que tudo a glória de Deus[11].

Só seremos moldados diariamente à forma e estatura de Cristo[12] quando nos submetermos total e exclusivamente à Palavra de Deus, Cristo Jesus.

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[1] II Tm 2:16

[2] Rm 10:17

[3] I Sm 15:22

[4] Jo 15:14

[5] Mt 16:24

[6] Jo 16:33; Sl 33:19; I Pe 9:5

[7] Mt 5:10-12; Mt 24:9; Hb 11:37; II Tm 3:12

[8] Lc 24:49; Jl 2:28-32

[9] Is 61:1-4; Mt 5:6;

[10] Fp 4:7; Tg 3:18; Gl 5:22

[11] Sl. 105:4; Mt 6:33; Mt 22:37-38; Jo 12:38-43

[12] Ef. 4:13

Nota

Notas esparças: Teologia pura e simples (Mere Theology), de Alister McGrath — Introdução,

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 Em sua brilhantemente argumentada crítica ao novo ateísmo, Terry Eagleton ridiculariza aqueles que tratam a religião como uma entidade puramente explicativa: “Em primeiro lugar, o cristianismo nunca quis ser uma explicação de coisa alguma. Afirmar o oposto é o mesmo que dizer que, graças à torradeira elétrica, podemos esquecer Tchekhov”. Acreditar que a religião é “uma tentativa grosseira de explicar o mundo” está no mesmo nível intelectual que “ver o balé como uma tentativa grosseira de correr para um ônibus”.

[…] Agora, já existem indícios muito bem-vindos de que o novo ateísmo está se enfraquecendo em sua atratividade e perfil, principalmente devido a algumas análises profundas e perspicazes, feitas pelas principais autoridades, de suas críticas não confiáveis sobre a religião9  e de suas propostas alternativas deficientes. Apesar disso, a melhor preparação para a próxima crise de confiança, qualquer que seja seu formato, é encorajar o surgimento de um informado e confiante uso da mente dentro das igrejas[…].

Os cristãos são chamados para ser sal e luz para o mundo (Mt 5.13-16). Um discipulado da mente teologicamente informado sustenta, nutre e protege a visão cristã da realidade, capacitando a igreja a ser sal e luz.  Vale dizer que esta é a precondição para o engajamento cultural, não um substituto dele. […]  O discipulado da mente é tão importante quanto qualquer outra parte do processo pelo qual nós crescemos na fé e no compromisso[1].


[1] Estive lendo a introdução do novo livro, em português, do Alister McGrath. Noto que consta de uma resposta aos brigth, e como tal, juntamente com outros ases da apologética moderna e talvez melhor do que alguns deles, um convite aos cristãos que ele cuidadosamente chama de “discipulado da mente teologicamente informado”.
Ao meu ver, serve de contraponto, simples e puro, ao que se prega dentro da teologia (teísmo aberto, por exemplo) e fora da teologia (deísmos e ateísmos, agnosticismos…) sobre o que é Deus ou o que seja a teologia, bem como a religião. Penso que valha a pena a leitura, ainda que de uma sentada só, como eu fiz da introdução!

Absconditus…

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  […] As Escrituras dizem que não devemos fazer uma imagem (Dt 5:6-9) que se torne objeto de   nosso culto, tampouco um templo, um altar, uma tradição, uma teologia, uma metodologia estratégica ou um líder personalista.

Nós o encontramos para perdê-lo. Ninguém pode aprisionar ou conter Deus, pois ele habita “num lugar alto e santo, mas habito também com o contrito e humilde de espírito” (Is 57:15). O Senhor, que está infinitamente além de nossa compreensão, revela-se um Deus pessoal que se relaciona amorosamente com a humanidade.

Esse é o mistério de Cristo em nós: um Deus que habita nos céus, mas também no coração. Um Deus que está longe e perto. Quanto mais perto chegamos, mais longe ele fica; quanto mais longe ele fica, mais perto está. A espiritualidade cristã implica esse ir e vir da revelação da presença de Deus, a busca para encontrá-lo sem que possamos segurá-lo. Temos comunhão com ele, mas não podemos detê-lo, pois “o vento sopra onde quer.[…]”.

Deus não cabe em regras, técnicas, teologias rígidas, pacotes, tradições, experiências, ideologias, fórmulas, pragmatismos, planos, doutrinações. O mistério de Deus não cabe em esquemas humanos. Segui-lo significa não se adiantar a ele, mas ser conduzido serenamente por onde se desconhece, ser surpreendido pelo caminho que se abre. O mundo das certezas é incompatível com o mistério de Deus, que se revela no íntimo da alma humana em uma relação de amor.

No caminho de Emaús (Lc 24:13-35), os discípulos que estiveram com Jesus não o reconheceram. A expectativa de vê-lo como o Rei dos reis os impedia de vê-lo como o Servo Sofredor. Jesus lhes expôs as Escrituras e seus corações arderam, intelecto e emoção juntos; ainda assim, não o reconheceram. No entanto, diante do gesto de Jesus, que “estava à mesa com eles, tomou o pão, deu graças, partiu-o e o deu a eles”, seus corações se abriram.

A verdadeira espiritualidade reside na santidade do gesto simples do cotidiano. Em Jesus Cristo não há megalomania, grandiloqüência ou extravagância, mas a simplicidade do gesto humano, ternura e firmeza. Ouso afirmar que a verdadeira vida cristã significa sermos menos espirituais e mais humanos.

 

Osmar Ludovico. In: Meditatio