Antes de qualquer coisa, gostaria de, nesse post, declarar minha admiração por Frei Betto. Tenho sido “impactado” por suas linhas de pensamento e ação, e consequentemente, desafiado a viver uma vida mais próxima de Deus e do evangelho de Isaias 61. Sua história e sua linha de argumentação são um presente à teologia cristã como um todo, especialmente no contexto da América Latina e no que diz respeito a atenção para com o oprimido. Ler Frei Betto é um atender a um convite feito por poucos como ele: Rubem Alves, Fernando Pessoa, Manuel Bandeira.
Contudo, como nem Sto.Agostinho pode escapar de alguma crítica. Veio-me às mãos um texto de sua lavra que me chocou um pouco para bem e para mal; temos vivido tempos nebulosos de combate enérgico entre uma parcela de defensores de uma ortodoxia evangélica conservadora e uma parcela de defensores de uma heterodoxia nos moldes de um liberalismo teológico, que tem se firmado mais como moda que como estilo de vida.
No final, os lados se confundem, visto que entre os ortodoxos, há aqueles que se valem da fé para obter mais um quinhão nos seus salários, garantindo assim um Iate, ou nem que seja um “teco-teco” para se igualar a uma “elite” de pregadores voadores e velejadores. Já entre os heterodoxos, há aqueles que se preocupam com a dignidade humana e, lutando por isso, perdem suas vidas seja ao encalço de um governo militar ou do Acaso, já que o testemunho que se conta é que sendo liberal, sempre se perde a noção real de Quem é e o Que é Deus.
Sem levantar a bandeira de um lado ou de outro, venho manifestar a minha crítica e discordância ao posicionamento de Frei Betto no tocante às relações homoafetivas, procurando construir uma “terceira via” entre a rígida ortodoxia e a franca heterofobia. Segue o texto e, logo após, a crítica.
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OS GAYS E A BÍBLIA – Frei Betto
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“A graça barata é a pregação do perdão sem arrependimento, é o batismo sem disciplina comunitária, é a Ceia do Senhor sem confissão de pecados, é absolvição sem confissão pessoal. A Graça barata é a graça sem discipulado, a graça sem a cruz, a graça sem Jesus Cristo vivo, encarnado.”
Dietrich Bonhoeffer – Discipulado
Bem, para começar a tecer essa rede, penso que não se pode negar é que pode-se até haver uma tendência humana a esse tipo de comportamento, o homoafetivo. Disso a ciência busca provas e a teologia já bateu o martelo. A depravação humana é total, já que a própria natureza humana é caída em virtude do pecado original. Contudo, em relação ao homossexualismo, o pecado está em dar vazão a essa prática, assim como à pratica do roubo, da corrupção, da pedofilia, etc. Há que se lembrar de que , para Deus, não existe maior ou menor pecado e que todos somos pecadores. Penso que na prática do pecado esteja o perigo!
As pessoas podem ter vontade de matar seus pais ou esfolar viva uma criança recém-nascida, furtar uma caneta mais bonita do colega, “peitar” o amigo e “transar” com a namorada dele, mas por que será que é condenável agir desse modo (ainda que muitos ajam)? Por que, pelo menos, as três maiores religiões monoteístas do mundo, condenam esse tipo de prática hedionda? É aí que mora o raciocínio: tanto em um caso quanto outro o problema é o mesmo, se chama pecado e, em maior ou menor gravidade ante a jurisprudência humana, tem o mesmo peso e medida ante à jurisprudência divina.
Voltando ao meu amigo Frei Betto, as afirmações dele nesse texto são muito incisivas em relação à teologia, a comportamento, interpretação bíblica, como se toda a teologia cristã “rezasse” o mesmo dogma. Se assim fosse, os protestantes continuariam prestando algum culto às imagens (ainda que muitas vezes o façam sem necessariamente ser uma imagem de culto ou até se darem conta disso) e em muitos casos, sequer teriam rompido com paramentos que lembrassem alguma forma os ritos romanos, dos quais protestavam. Ora, fazer teologia também é pensar as diferenças existentes entre as compreensões de Deus e de Sua atuação, nesse sentido, creio que ele delimita bem o espaço quando cita como exemplo a Igreja Católica, ainda que não deixe claro que se refere à tendência da Igreja de Roma, como objeto de sua crítica literária-teológica.
“A Igreja Católica já não condena homossexuais, mas impede que eles manifestem o seu amor por pessoas do mesmo sexo. Ora, todo amor não decorre de Deus? (sic) Não diz a Carta de João (I,7) que “quem ama conhece a Deus” (observe que João não diz que quem conhece a Deus ama…).”
Nesse trecho, penso que haja certa distorção do que o texto diz… Na verdade, o que ele queria dizer. Erro crasso de exegese!
Eu mesmo não vou gastar teclado e linha pra dissecar a afirmação bíblica refutando a afirmação do Frei, dado que o caro leitor já deve estar familiarizado com o texto e o contexto[1]. O que importa é: não foi “exatamente” isso que o apóstolo João quis dizer com “quem ama conhece a Deus”, até porque, o amor a que João se refere é o amor ágape e não eros.
“Por que fingir ignorar que o amor exige união e querer que essa união permaneça à margem da lei? No matrimônio são os noivos os verdadeiros ministros. E não o padre, como muitos imaginam. Pode a teologia negar a essencial sacramentalidade da união de duas pessoas que se amam, ainda que do mesmo sexo? […] Ora, direis, ouvir a Bíblia! Sim, no contexto patriarcal em que foi escrita seria estranho aprovar o homossexualismo. Mas muitas passagens o subtendem, como o amor entre Davi por Jônatas (I Samuel 18), o centurião romano interessado na cura de seu servo (Lucas 7) e os “eunucos de nascença” (Mateus 19). E a tomar a Bíblia literalmente, teríamos que passar ao fio da espada todos que professam crenças diferentes da nossa e odiar pai e mãe para verdadeiramente seguir a Jesus.”
Minha resposta é Sim. Até porque, pra começar, não há uma “teologia” universal. Se assim fosse, os dogmas protestantes ou católicos dominariam o pensar teológico do mundo.
E digo mais, não existe uma teologia, no sentido etimológico de “pensar sobre Deus”, isso é impossível, dada a limitação humana; o que existe é “pensar sob Deus”. Tudo foi feito por Ele e Para Ele são TODAS as coisas. A sabedoria e o conhecimento de Deus são profundos e os Seus juízos, segundo a Bíblia, são insondáveis.
Assim sendo, é totalmente forçosa a interpretação de homoafetifividade nos trechos bíblicos citados por ele. Os manuscritos não fazem referencia nenhuma a alguma relação dúbia entre Davi e Jônatas, por exemplo.
Nesse sentido, olhar a Bíblia desprezando a sua orientação quanto a ética sexual é no mínimo, desastroso. Seguir a Jesus, é necessário que se dê conta de isso, é um projeto de vida; e muito arriscado, diga-se de passagem.
E voltando minha atenção pra esse embate todo entre evangélicos e homossexuais , fico a me perguntar, “Não há como se construir uma terceira via, sem extremar ao humanismo ou ao teocentrismo?” Como cristão, legitimar a prática homossexual é um ato tão pecaminoso quanto a prática em si. Não há como se esquivar do debate ou relativizar os conceitos e, se fazemos isso, caímos no que Bonhoeffer chamou de “graça barata”. A heterodoxia liberal falha nesse sentido. Entretanto, criticar até mesmo a garantia de direitos a essa parcela da população é negar direitos de cidadania a eles é tão pecaminoso quanto a desviar o dinheiro de um orfanato ou matar um recém-nascido. O peso do pecado é igual para tudo e todos e a ortodoxia falha quando faz “vista-grossa” pra isso.
Será que a Igreja evangélica não entendeu que se pode detestar o pecado e amar o pecador? Que o Reino de Deus na terra, implantado a partir de nós, não prescinde a distinção de pessoas via credo, etnia ou cor de pele?
Enfim, não vamos avançar em um diálogo se nos comportamos como surdos que gritam pra outros surdos disputando quem vence a audiência falando mais alto.
Concluindo, gostaria, mais uma vez de deixar claro que meu apreço ao Frei Betto não diminuiu porque ele expressou sua credibilidade e legitimação a homoafetividade; tampouco ao Ricardo Gondim quando pensou a teologia relacional. Eu mesmo me considero Calvinista, e penso que para nos tornarmos cristãos sadios, não devemos nos abster de posicionamentos e discussões se não temos alguma base para isso. Devemos agir penso eu, como os crentes de Beréa. E como diria Danilo Fernandes “Pensar diferente não faz perder a salvação e também não mata. […] A grande verdade é que a maioria dos evangélicos tem dificuldade de conviver com opiniões diferentes, tanto mais as fortes”.
[1] Algum compendio de teologia disponível na internet pode dar essa “mãozinha”.