Escrever algo sobre oração é algo difícil. Na verdade, pelo menos pra mim, uma tarefa um pouco estranha pelo fato de eu não compactuar com alguns modelos. Confesso que aprendi nesses últimos tempos algumas coisas que cada vez mais deixam claras as minhas “aversões” à oração, por assim dizer. Não, esse não é definitivamente um texto de cunho ateu ou somente deista. Acho que poderia figurar mais como uma confissão ou na medida do possível um ensaio sobre o que eu penso que seja oração.
Estou escrevendo isso motivado por algumas idéias que não me saem da cabeça, algumas coisas que nunca compartilhei com ninguém antes; venho escrevendo, ultimamente, coisas deste tipo; na verdade, textos que giram em torno de uma temática “mais contemplativa”, deixando um pouco de lado o ativismo em nome da arte criativa no meio cristão. São coisas que fazem parte de mim, como já disse, confissões de um ser que aprende ao longo do tempo e da convivência com as pessoas.
Divagações à parte, voltemos ao assunto central deste texto. Eu dizia que escrever algo sobre oração é algo difícil pra mim. Difícil porque reluto em aceitar os dogmas traçados por alguma instituição religiosa sobre este assunto, tampouco considero tratados místicos orientais como fontes confiáveis para explicar algo sobre essa comunicação entre o ser e o que se encontra no além-cósmico. Entretanto, tenho que salientar o meu recente apreço por algumas leituras de cunho monástico sobre tal assunto.
Em certo sentido me comporto como Álvaro de Campos ou mesmo Alberto Caeiro, personagens heterônimos do Fernando Pessoa. Não acredito em fórmulas mágicas de um Deus que se apresenta aos tantos por aí como algo distante e mórbido, que possui a extrema necessidade de ser agradado pelas suas criaturas. Não compactuo com esta idéia de modo nenhum. De modo análogo, não acredito num Deus que dá super-poderes como dinheiro, fama ou qualquer outra dádiva aos homens com vistas a satisfazer o bel-prazer dos mesmos, já que ele está sob as ordens humanas como se fosse um boneco do tipo marionete, que faz tudo o que estes desejam. São dois extremos altamente repelentes e que mesmo, em grosso modo, evocam algumas imagens populares, folclóricas, que as pessoas têm de Deus.
Pode ser que você neste momento esteja praguejando contra minha pessoa, dizendo barbaridades sobre mim ou mesmo morrendo de rir com este pano de fundo que criei pra dar sentido aos “finalmentes” deste ensaio. Portanto, peço a você, seja qual for sua reação, que continue comigo. Agüente só mais um pouco, já estamos chegando ao fim deste emaranhado.
Falando da minha perspectiva de oração, de modo nenhum ela se destina a essas figuras acima. Compreendo oração como algo que brota no coração e que pode se manifestar, ou não, sob a forma de palavras. Muitas vezes oramos com nossos gestos, com nosso olhar admirado da paisagem de um entardecer em tons de róseo puxando o alaranjado, ou ainda com nosso corpo, ao agradecer o alívio e o descanso após um banho refrescante após um dia duro de trabalho.
Oração é uma comunicação verbal e não-verbal para com o nosso criador. Um Ser eterno que nos amou (e ainda ama) ao ponto ter uma vez se encarnado para morrer afim de perdoar nossos erros e nos ajudar a traçar um novo destino; trilhar um novo caminho aberto pela Sua infinita misericórdia e graça que nos leva cada dia a estar um pouco mais perto d’Ele.
Merton, monge trapista norte-americano, disse uma vez que “A oração é algo natural do homem, como falar ou suspirar, ou olhar, ou como latejar do coração enamorado. Na realidade é também uma queixa. Nossa oração não é mais do que estabelecer contato com Deus. É uma comunicação com Deus e não necessita ser com palavras e nem mesmo com a mente”.
Mas por que não conseguimos colocar isso em nossas cabeças? Conversar com o Criador deveria ser como disse Merton, algo natural. Talvez a resposta resida no fato de creditarmos toda a nossa experiência na vida cristã à fatores externos e nunca pararmos pra pensar na necessidade do cultivo do silêncio, de uma vida interior. Condicionamos nossa espiritualidade às glossolalias vazias de uma mente que quer dizer (leia-se demonstrar) alguma coisa e não sabe como. Condicionamos nossa oração ao simples ato de um discursar vácuo de joelhos ou em voz alta perante o templo, palavras de algum pedido pessoal motivadas pela ocasião social contingente. Pode ser duro, mas é isso que vemos nas nossas igrejas e em cristãos hoje. Jesus falou algo interessante sobre isso:
“E quando vocês orarem, não sejam como os hipócritas. Eles gostam de ficar orando em pé nas sinagogas e nas esquinas, a fim de serem vistos pelos outros. […] Mas quando você orar, vá para seu quarto, feche a porta e ore a seu Pai, que está em secreto. Então seu Pai, que vê em secreto, o recompensará. E quando orarem, não fiquem sempre repetindo a mesma coisa, como fazem os pagãos. Eles pensam que por muito falarem serão ouvidos. Não sejam iguais a eles, porque o seu Pai sabe do que vocês precisam, antes mesmo de o pedirem.”
Bem, baseado em tantas argumentações que oração é algo mais do que um discurso concretizado por meio de palavras, é algo à ser compartilhado e aprendido a cada dia, de modo que quaisquer métodos maravilhosos e miraculosos, não passam de pura prolixidade destituída de espiritualidade. Oração é algo que nos transporta pra perto d’aquele que é Eterno e nos faz conhecê-lo melhor dia após dia, sem necessariamente usarmos palavras. O coração pode falar (e fala) tudo nessa hora. Orar não é um exercício de emotividade simplista, antes sim, é um contato estabelecido de uma forma singular onde se reúnem corpo, alma e espírito em louvor ou súplica àquele que é maior do aquele que está no mundo e até do que nós mesmos possamos imaginar.
Enfim, deixo um pequeno trecho dos escritos de Thomas Merton, que me toca muito e trata sobre a oração.
“A oração é algo natural do homem, como falar ou suspirar, ou olhar, ou como latejar do coração enamorado. Na realidade é também uma queixa. Nossa oração não é mais do que estabelecer contato com Deus. É uma comunicação com Deus e não necessita ser com palavras e nem mesmo com a mente.
“A gente pode se comunicar com o olhar, com o sorriso ou com os suspiros, ou contemplar o céu, ou beber a água. De fato todos os nossos atos corporais são oração. Nosso corpo formula uma profunda ação de graças em suas entranhas, quando sedento, recebe um copo d’água.
“Quando, num dia de calor, mergulhamos num rio fresco, toda nossa pele canta o hino de ação de graças ao Criador, ainda que esta seja uma oração irracional, que se faz sem nosso consentimento e às vezes mesmo apesar de nós. O trabalho é uma oração existencial. Deus nos envolve por todas as partes como a atmosfera.
“A razão pela qual a gente não costuma experimentar a presença de Deus é porque estamos acostumados a que toda experiência nos venha de fora, e essa experiência é de dentro. Estamos voltados para o exterior, pendentes da sensação de fora e então nos passam inadvertidos os toques e as vozes de dentro.”