Por Jônatas Souza
Para você entender um pouco mais desse texto, vai logo abaixo a letra de uma música do Carlinhos Veiga, “Mamãe, eu sou Gospel”:
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Ô, mãe, o que eu vim fazer
Logo nesse país
Em pleno terceiro mundo
Rodeado de pobreza e miséria
Ô, mãe, com tanto povo rico
Com tanta língua chique
Eu vim falar Português
Quero cantar em Inglês
Acordar de manhã, tomar meu breakfast
Muito milk com coffee, claybon, cream-cracker
Depois pegar meu bus com a “high-society”
Ouvindo no meu walkman music country, rock, pop
Heavy, funk, rap, swing and gospel
Ah, isso sim que é o céu.
E todo mundo cantando em Ingrês
Ô, mãe…
Mas ainda bem, mamãe, eu sou gospel
Mamãe, eu sou gospel. Ainda bem que sou gospel…
Ô, mammy, porque eu vim nascer
Em pleno terceiro mundo
Com esse povo atrasado
Que ainda vive sem computador
Ô, mammy, e ainda ter que curtir
Canções tupiniquins
Eu quero ouvir rock´n roll
Eu quero ouvir rock´n roll
Sair, conhecer Holywood, New York and Boston
Cavalgar pelo Texas, brincar na Disneylândia
Tendo cuidado com a Federal, que eu tô aqui ilegal
Trabalhar, vender hot-dog, pizza, chips and coke
Juntar muito dólar e comprar meu Reebok
Ah, isso sim que é o céu.
E eu arrasando entre as “guel”
Ô, mãe…
Mas ainda bem, mamãe, eu sou gospel
Mamãe, eu sou gospel. Ainda bem que sou gospel…
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Um dia desses, quando saí com meus amigos da ABU Natal que participaram comigo do último curso de férias promovido pela ABU do Nordeste, tive uma surpresa interessante. Interessante no sentido de ser de certa forma desoladora, ao mesmo tempo em que engraçada.
Mal chegava e sentava numa das cadeiras do shopping, um deles, o Flávio, me disse o seguinte: “Cara estávamos falando mal de você agora mesmo” e então repliquei: “o que você dizia de mim?”, foi então que ele me disse: “você estava muito gospel nesse CF!”
Caramba, na hora eu fiquei meio chocado e querendo rir ao mesmo tempo, e o mais interessante disso tudo é que nesse grupo de amigos, figuravam 3 outros colegas assumidamente góspeis. E eles, que também estavam nesse CF caíram na risada. Foi o estopim para então começarmos uma discussão ideológica sobre o que é ser gospel. De fato, é até interessante que eu cite neste texto, meu caro amigo, o que de fato significa o “ser gospel”.
Após muitas discussões e indignações diante da conversa, chegamos ao seguinte consenso: “Gospel é o tipo de música de época, jogada na mídia para atrair as massas e ganhar dinheiro à custa da fé alheia”.
Depois de muitas gargalhadas juntos, e de assistirmos um filme no cinema (bem esse foi um encontro de entrosamento do tipo “pós-CF”, pra aumentar a comunhão entre nós, apesar da visível diversidade), meditando cheguei a uma conclusão básica: Ganhar dinheiro explorando a fé dos outros é uma das coisas mais difíceis de fazer no cenário musical cristão do Brasil, já em contraponto pode se tornar uma das coisas mais fáceis e divertidas de se fazer. Para esta última tese ocorrer bem, é necessário que haja um “paitrocínio” de algum deputado dono de gravadora, ou mesmo da alta-cúpula de uma igreja rica, ou mesmo se esse alto-clero começar a se agenciarem politicamente através da projeção que obtiveram em “eras passadas” como músicos, até inteligentes de certa forma…
Bem, infelizmente essa música desproporcional chega a ser entusiástica, pois o que lhe falta de letra do tipo “cabeça” e cristã, ganha folgada no quesito barulheira pop.
E eu te pergunto caríssimo amigo leitor, porque isto? Não deveríamos mostrar o nosso amor cristão também na hora de poupar os ouvidos, as mentes e conseqüentemente as pernas daqueles que pulam freneticamente ao som da bateria e das guitarras de uma banda pop ou de rock qualquer que esteja “na moda” ou como falam os americanos e ingleses “on billboard top hit’s“?
Seria mais interessante nos aproximarmos de Deus com uma cabeça pensante ou pensando nos bolsos cheios de dinheiro à troco de Deus?
A sua resposta pode ser um tanto “crente” à esta pergunta, porém infelizmente não é o que ocorre na prática, aliás, pouca gente se liga nesse fato e se deixa enlevar por ritmos loucos, a tão conhecida farofa, que não deixa de ser divertida, mas que não constrói ou inspira momentos de reflexão e/ou espiritualidade, mesmo que se fale nela ao longo da música.
Quem nunca saiu “pulando doido” pela igreja quando ouviu aquela música “(…) quando estou em Tua presença/ Dá vontade de gritar/Dá vontade de correr/Dá vontade de pular/Dá vontade de dançar/ Diante de ti(..)”? A música é legal, tem um quê de animação, mas convenhamos, constrói uma espiritualidade sadia?
Estamos correndo, pulando, gritando e dançando em nome do que? definitivamente, perdemos o sentido daquilo que pode se chamar de música cristã, dando lugar à intermitências de uma teologia tíbia e frágil, que só sabe ensinar a se comportar como um louco desvairado no meio da congregação na hora do louvor, e mero expectador diante da exposição bíblica, que nessa hora, não passa de uma simples palestra de motivação de fim de semana.
Esse é um dos muitos exemplos de músicas que recorrem ao expediente da emoção pura na hora de “louvar”. Desejo ser breve, não querendo passar a vista em cima de algumas letras como aquela outra que diz: “(…)restitui, eu quero de volta o que é meu(…)” ou esta, “faz chover Senhor Jesus, derrama chuva neste lugar”, que introduz um refrão sem sentido (o citado anteriormente) numa música onde os primeiros versos começavam a se parecer com os versos davídicos: “assim como a corça anseia por águas/como terra seca precisa da chuva/meu coração tem sede de Ti/Rei meu e Deus Meu”…meio plágio do salmo, mas teria valido à pena se não terminasse tão “modinha”.
Acredite, não lavro estas críticas como se elas tivessem um fim em si mesmas, mas almejo com toda a alma de poeta (mesmo que ainda em construção) que Deus me deu, que essa situação mude, e que olhos sejam abertos para toda esta pouca vergonha que se propõe na musica evangélica brasileira. No fim de tudo, eu não quero concluir essa tessitura com a célebre frase do Cazuza “pode seguir a tua estrela, o teu brinquedo de star”, e ainda proferir à classe de músicos que se dizem cristãos que “o teu futuro é duvidoso”.
A música “farofa” é até legal… Pra quem quer uma oportunidade de mostrar seus dotes de dança ou coreografias, e se sente “reprimido” quando não o consegue fazer quando escuta aquela música do Nelson Bomilcar, quando transcreveu o Salmo 96 “Cantai ao Senhor Um cântico novo/ Cantai ao Senhor Todas as terras”.
A “farofa” também pode ser interessante quando se está num momento happy hour, onde se encontram pessoas “crentes”. Mas nesse último caso, paira-me uma dúvida cruel: Uma música tida como secular, como a do Jorge Vercilo, Djavan ou mesmo do Paulinho da Viola também não cairiam bem, ou até mesmo melhor?
E antes que eu me esqueça, “mamãe, eu quero ser gospel” foi baseada n o título de uma música de um grupo de MPC/MCC[1] chamado Expresso Luz, chamada “mamãe eu sou gospel”, do Carlinhos Veiga, e que o mesmo Flávio fez referência na nossa conversa, enquanto discutíamos (e criticávamos muuuito) a música gospel, que hoje se baseia mais em ídolos estrangeiros e ganho de dinheiro, do que no anúncio do evangelho de Jesus numa perspectiva AMPLA e TOTAL.
[1] Música Popular Cristã e Música Cultural Cristã – ambas genuinamente brasileiras